Pedofilia: violência silenciosa

Organização Mundial da Saúde classifica a pedofilia como um transtorno da preferência sexual. Silêncio frequentemente acompanha as vítimas de abusos

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Muito tem se falado da pedofilia. No intuito de esclarecer as dúvidas existentes e trazer aos leitores os conhecimentos que se fazem necessários, a Five ouviu a médica pós-graduada em psiquiatria Fernanda Spilla Baralde.

Pedofilia está entre as doenças classificadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como transtornos da preferência sexual. A expressão vem do grego pedos, que significa criança, e phyla, que é relativo ao amor. “Na visão da psiquiatria, a pedofilia é um tipo de parafilia, ou seja, um transtorno sexual no qual há uma expressão anormal da sexualidade, podendo gerar um comportamento destrutivo ou danoso para a própria pessoa ou terceiros. Ela envolve excitação sexual e impulsos intensos em relação a crianças, geralmente menores de 13 anos. Hoje, de 10% a 20% de todas as crianças foram molestadas até os 18 anos e a maioria dos molestamentos envolve toques genitais ou sexo oral.
A penetração ocorre menos frequentemente, exceto em casos de incesto.”

Na psiquiatria, pedofilia é um tipo de parafilia, um transtorno sexual no qual há uma expressão anormal da sexualidade

Com o aumento da divulgação de casos na mídia, tem sido comum o termo pedófilo ser utilizado para se referir a um abusador sexual. Contudo, embora devamos entender que eles estão cometendo uma violência e uma violação de direitos contra uma criança ou um adolescente, a ausência de distinção prejudica uma compreensão mais objetiva do problema. “Nem todo pedófilo é abusador. E nem todo abusador sexual é um pedófilo. O pedófilo é considerado uma pessoa que provavelmente não teve um desenvolvimento psicossexual satisfatório, portanto, tem uma sexualidade imatura. Escolhe crianças que são mais vulneráveis e com menor capacidade de resistência. Ele não consegue desenvolver um controle racional diante de seu desejo erótico, por isso pode se tornar um abusador ou apenas procurar conteúdos com crianças para satisfazer suas fantasias. O pedófilo pode ter a criança como seu objeto sexual, mas jamais passar da cogitação, então não será um abusador, embora necessite também de atenção e tratamento por se tratar de um potencial abusador, para aprender a lidar com seus instintos sexuais.”

A médica comenta ainda que as parafilias, em sua maioria, parecem ser condições masculinas. Em 50% dos casos se desenvolve antes dos 18 anos de idade, sendo que 95% dos pedófilos são heterossexuais e 50% consomem álcool em excesso antes de praticar qualquer abuso. Além disso, é natural que haja associações de tipos de parafilias, em algum momento da vida, por exemplo, um pedófilo também ter masoquismo sexual. “O comportamento tem pico entre os 15 e 25 anos. Um pedófilo que se torna abusador pode escolher as vítimas devido às suas fantasias e por se sentir confiante quanto à vulnerabilidade delas. Ele trata suas necessidades, desejos e anseios como prioridades, sem se importar com a saúde e segurança das vítimas. É intolerante às frustrações, por vezes agressivo e sádico, mas não necessariamente alguém que já sofreu abuso sexual.”

O tratamento da vítima é direcionado de acordo com o dano causado

Vítimas mantêm o silêncio

O silêncio frequentemente acompanha as vítimas de abusos, por receio de não acreditarem nelas ou ameaças do abusador, que pode ser alguém do seu convívio familiar. Entretanto, a psiquiatra alerta para alguns sinais que podem ser observados, de acordo com a faixa etária das crianças. “Há mudanças repentinas no comportamento, como irritabilidade, choro compulsório, agressividade, submissão, comportamentos de evitação, mudança no rendimento escolar, autoagressões, medo excessivo, fugas constantes de casa, comportamento regredido, muitas voltam a fazer xixi na cama ou nas roupas. Em casos mais graves, até ideação suicida. Vale lembrar que nenhum desses sinais pode ser considerado de forma isolada, mas devem-se observar também sinais clínicos como lesões físicas, em órgãos genitais, por exemplo, anorexia ou até alimentar-se compulsivamente.”

A médica comenta ainda que, ao passar por uma experiência de violação, as vítimas reagem de forma somática, ou seja, apresentam sintomas nas áreas mental, física e social. O abuso sexual infantil é um facilitador para o aparecimento de psicopatologias graves e as consequências podem variar, dependendo da idade da vítima quando a violência teve início, do tempo que ela durou, do grau de agressividade nos episódios, se há vínculo com abusador e ocorrência de abuso psicológico. “Quadros comuns seriam medo excessivo, desenvolvimento de doenças fóbico-ansiosas, isolamento social, comportamento obsessivo-compulsivo, distúrbio de sono, aprendizagem e alimentação, masturbações excessivas, ideação suicida, sensação recorrente de perigo, confusão mental, dificuldade para resolver problemas interpessoais, disfunções sexuais, abuso de álcool e outras drogas, transtorno de memória, são alguns exemplos.”

Silêncio frequentemente acompanha as vítimas de abusos, por receio de não acreditarem nelas ou ameaças do abusador

O tratamento da vítima é direcionado de acordo com o dano causado em caso de comprometimento físico e, de uma forma geral, psicoterapias com psicólogos e terapeutas ocupacionais habilitados, além de tratamento farmacológico realizado pelo psiquiatra e/ou pediatra, quando necessário, e apoio comunitário.

A função familiar é essencial tanto na prevenção do abuso quanto na minimização dos danos

Segundo a médica, no caso das vítimas, são mais recorrentes (60%) os casos entre menores de 13 anos e meninos. Porém, deve-se considerar que quando há vitimização de crianças sem toque, como espiar em janelas e exibicionismo, 99% são contra meninas. Ela lembra ainda que a pedofilia é capaz de comprometer toda a estrutura familiar, adoecendo não somente a vítima, mas também quem está interligado a ela. As reações da família, principalmente da mãe, quando se é revelado o abuso, são importantes para o desenvolvimento de alterações comportamentais, de transtornos psiquiátricos e até no tratamento. “Quando a família reage acreditando na criança e dando suporte, os resultados são mais favoráveis. Se não acredita e não oferece apoio, a criança se sente vulnerável, podendo desenvolver diversos transtornos. A função familiar é essencial tanto na prevenção do abuso quanto na minimização dos danos.”

Tratamento é desafio

Como a OMS classifica a pedofilia como doença, a Five questionou a psiquiatra se há algum tratamento voltado para o pedófilo para que ele não cometa abusos. Fernanda destaca que o processo é mais favorável quando estes pacientes procuram voluntariamente ajuda, em vez de serem encaminhados por algum órgão legal, mas que é um grande desafio. “Há alguns tipos de intervenções utilizadas para tratá-los, como controle externo (prisões para casos já consumados, supervisão para que não haja a oportunidade do abuso); terapia medicamentosa, incluindo antipsicóticos ou antidepressivos; medicamentos andrógenos (utilizados nos Estados Unidos para diminuir o impulso sexual); terapia cognitivo-comportamental (para interromper padrões sexualmente anormais adquiridos e modificar comportamentos para torná-los socialmente aceitáveis); treinamento em habilidades sociais, educação sexual e psicoterapia dinâmica, trabalhada com o paciente para o mesmo ter a oportunidade de compreender os eventos que causaram o desenvolvimento de sua pedofilia e reconquistar assim sua autoestima. Mas vale dizer que ainda qualquer tratamento é um grande desafio.”

Fernanda ressalta a importância da propagação da informação para termos a real concepção de que um pedófilo é uma pessoa com transtorno sexual, ou seja, uma doença, diferentemente do abusador sexual. “Portanto, se agirmos na ajuda destas pessoas, com menos preconceito, consequentemente estaremos prevenindo situações de abuso infantil.”

● José Navas Júnior, delegado da Polícia Federal em Marília

Quando pedofilia transcende fronteiras, PF age

As investigações de casos de pedofilia geralmente são conduzidas pela Polícia Civil. Porém, quando ela transcende fronteiras, a PF (Polícia Federal) também entra em ação.

Conforme explica o delegado da Polícia Federal em Marília, José Navas Junior, a PF é uma polícia judiciária da União e tem a atribuição de atuar onde há lesão ou ameaça a direito ou bem desta e seus serviços, e atua no combate aos crimes transnacionais. “Há crimes que originalmente não seriam atribuição da PF, como a pedofilia, que a Polícia Civil combate com maestria, mas quando ela transcende fronteiras, quando a pessoa não está só guardando fotos ou praticando pedofilia com alvo determinado, mas disseminando isso em redes sociais, além de nossas fronteiras, a PF age em apoio à Polícia Civil. Não é porque está na internet, que a atribuição é da PF. Quando há disseminação, não é uma pessoa lesada, a vítima é toda a sociedade.”

O delegado comenta que todas as delegacias descentralizadas da PF contam com policiais treinados por setores especializados no combate aos crimes de ódio e sexuais, como a pedofilia. “Quando algum caso exige a atuação da PF, estes agentes agem.
Além disso, alguns casos envolvem várias unidades, como ocorreu na operação Tapete Persa”. Esta operação foi realizada em 2010 e prendeu várias pessoas por envolvimento em pedofilia e abuso sexual em 54 cidades de nove estados diferentes.

Quando a pedofilia transcende fronteiras, Polícia Federal age em apoio à Polícia Civil

Sobre o uso da internet para a prática do crime, Navas ressalta que a rede é apenas um instrumento poderoso de divulgação de informações. Para ele, se não existisse internet o pedófilo iria praticar o crime de qualquer forma, como troca de fitas cassetes e fotos, por exemplo. “A nova sociedade não ajudou a criar pedófilos, o homicídio não surgiu com a arma de fogo. É preciso haver orientação, diálogo para evitar certas atitudes, como mandar foto a estranhos, por exemplo. Há, ainda, mecanismos disponíveis no mercado para garantir navegações mais seguras, que contam com filtro de palavras proibidas, que são capazes de prevenir ameaças de pedofilia e roubo de identidade.”

As penas para crimes de pedofilia estão previstas no Código Penal e também no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e variam de reclusão de um ano a 15 anos e pagamento de multa. Caso haja lesão grave na vítima ou ela venha a óbito, a punição aumenta, podendo chegar a 30 anos de prisão.

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